Uma equipe do Centro de Ciências do Homem da Universidade Estadual do
Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), de Campos, coordenada pelo
sociólogo Javier Alejandro Lifschitz, estuda saberes tradicionais dos
chamados mateiros do Parque Estadual do Desengano, no Centro-Norte do
estado. Descendentes da miscigenação entre indígenas e europeus, os
mateiros somam hoje cerca de 300 famílias que vivem há muitos anos
numa área próxima à Pedra do Desengano, o pico mais alto do parque,
situada a mais de 1,7 mil metros de altitude.
– Durante nossa estada no parque, Dona Joanita, mulher de Cecílio,
mestre de mata, previu que ia chover ao observar um formigueiro –
conta o coordenador da equipe de Uenf, composta por quatro estudantes
e pessoal de apoio das próprias comunidades locais.
Os saberes tradicionais que essa população possui sobre a fauna e
flora da região constitui-se patrimônio cultural que se perderá,
segundo o sociólogo, caso se concretize a ameaça de remoção dessas
comunidades do parque, sob a alegação de que causam prejuízo ao meio
ambiente. Por via das dúvidas, na quarta incursão pela região, o grupo
se embrenhou pela mata e escalou montanhas para registrar parte desses
saberes.
Os registros vão integrar o acervo de um CD multimídia, denominado
Árvore do conhecimento em comunidades, que o professor Javier espera
ver difundido nas escolas da região. Os estudos têm financiamento da
Faperj (Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do
Rio de Janeiro).
Os estudos na região do Desengano são apenas parte do conjunto de
pesquisas coordenadas pelo professor Javier com comunidades
tradicionais da região. Ele e sua equipe também trabalham com
comunidades quilombolas em Machadinha (Quissamã), Barrinha (São
Francisco do Itabapoana) e Conselheiro Josino (Campos). Os trabalhos
na Fazenda Machadinha geraram um CD e o documentário intitulado
Retalhos, sobre os saberes dos descendentes da senzala e da casa
grande. Os estudos em Barrinha e Conselheiro Josino têm apoio da
Comissão Pastoral da Terra. Em breve, o grupo começará um trabalho com
comunidades de pescadores da Barra do Furado, com apoio da Prefeitura
de Quissamã.
Ao estudar a crescente importância atribuída a comunidades
tradicionais como estas, o sociólogo da Uenf propôs o conceito de
"neocomunidades".
– Trata-se de formas de reconstrução da tradição por meios e agentes
modernos, como a mídia, as ONGs e as universidades, o que sugere um
tipo diferente de modernização, que não é voltado para o futuro, mas
sim para o passado – explica o professor, para quem essas populações
tradicionais podem ter suas atividades reorientadas para a área do
turismo ecológico.
A equipe da Uenf está empenhada na identificação de comunidades
quilombolas em toda a região. Uma delas, de Conceição do Imbé, já está
reconhecida e o processo de titulação das terras, em andamento.
Entre as características básicas de uma comunidade quilombola está o
fato de seus habitantes serem remanescentes de antigas regiões de
escravidão, ainda que não tenha havido no local quilombos no sentido
habitual da palavra. Outra característica fundamental é o
auto-reconhecimento da população como quilombola, o que é determinante
para o reconhecimento pelo Poder Público. Nestes casos se consideram
também dados antropológicos sobre marcas históricas da vinculação com
antigos escravos. O reconhecimento de comunidades quilombolas está
amparado em artigo da Constituição de 1988.
Por: ASCOM do Meio Ambiente RJ