25/12/2012 Noticia AnteriorPróxima Noticia

Reflexões sobre o caminho espiritual

Num momento em que o mundo precisa de mais espiritualidade, compreensão e compaixão, o Jornal Século XXI abre espaço para a reflexão daqueles que pensam e vivem o caminho espiritual, seja de que doutrina ou credo pertençam, o importante é que contribuam positiva e coerentemente com a transcendência e transformação do ser humano. Neste espírito de troca instrutiva e de debates espirituais, é muito bom conhecer a visão de várias religiões, entre elas, o Budismo, a religião do Dalai Lama, um dos autores que mais vendem livros no ocidente na atualidade. As reflexões abaixo tem esta visão...

Alexandre Saioro

Em algum momento de nossas vidas, quando começamos a questionar se as buscas pelas aquisições e conquistas do mundo podem trazer felicidade, paz e harmonia duradouras, podemos começar a nos interessar pelas questões espirituais. Percebendo a constante insatisfação que a vida “mundana” nos proporciona, podemos buscar soluções para o nosso sofrimento nos aspectos transcendentes de nossa existência.

Todo este questionamento é muito saudável, podendo nos trazer mais lucidez para não sermos eternas vítimas das falsas promessas que o mundo material nos oferece.Mas, o que, normalmente, vemos quando iniciamos este movimento é que acabamos nos relacionando com a busca espiritual com a mesma mentalidade com que nos relacionamos com as coisas do mundo. Assim, ao invés de buscarmos adquirir mais dinheiro, prazer, fama, sucesso, relacionamentos, etc., buscamos adquirir capacidades e poderes espirituais, contatos com seres e mundos superiores ou, simplesmente, buscamos a salvação, a paz, a iluminação e todo o tipo de satisfações idealizadas e preconcebidas. Ou seja, mudamos apenas os objetos na busca de satisfação e realização de desejos e ambições pessoais. Não percebemos que um caminho espiritual autêntico segue contra a correnteza da busca de qualquer tipo de engrandecimento do eu.

Nas palavras do mestre budista tibetano Chogyam Trungpa:

- “O percurso correto do caminho espiritual é um processo muito sutil e não alguma coisa que possamos atirar-nos ingenuamente. Existem numerosos desvios que levam a uma distorção egocentrada da espiritualidade; podemos iludir-nos imaginando que estamos nos desenvolvendo espiritualmente quando, na verdade, não fazemos senão fortalecer nosso egocentrismo por meio de técnicas espirituais. A essa distorção básica pode dar-se o nome de materialismo espiritual. Se formos bem sucedidos em manter a consciência que temos de nós mesmos através de técnicas espirituais, o desenvolvimento espiritual autêntico será altamente improvável. Nossos hábitos mentais se tornam tão fortes que fica difícil penetrá-los. Podemos até chegar ao desenvolvimento totalmente demoníaco da completa ‘Egoidade’.” (Além do Materialismo Espiritual - Chogyam Trungpa – Ed. Cultrix)

Não são poucos os exemplos de tal desvio em diversas propostas espirituais que encontramos no grande (e lucrativo) “supermercado espiritual” oferecido atualmente. Da mesma forma, podemos ver tais desvios em visões espirituais sérias e bem intencionadas que trazem até certo benefício, mas que não diferem muito da mentalidade comum de proporcionar mais uma conquista para o ego ávido por felicidade e sentido de vida. Tal perspectiva apenas sofistica e sutiliza o sofrimento, mas não elimina a sua raiz.

Você pode estar se perguntando, então, qual caminho espiritual que não cai nas malhas do materialismo espiritual?

Creio que ao nos voltarmos para um caminho espiritual seja inevitável nos envolvermos, inicialmente, com o materialismo espiritual. Parece que precisamos ainda ser seduzidos, através de nossos hábitos egocentrados, por uma “realização pessoal idealizada” para podermos ir além disso. O cerne da busca (e do materialismo) espiritual está no desejo pessoal de felicidade. Mas um caminho espiritual autêntico irá sempre nos conduzir ao questionamento deste tipo de desejo.

Mas, então, o que fazemos para escaparmos desta tendência ao materialismo espiritual e efetivamente eliminar o sofrimento?

Desista, desista de resultados, de adquirir algo com a prática espiritual. Perceba como é absurdo querer ganhar algo ao se voltar para a espiritualidade, pois, na verdade, ela tem a função de nos despir de toda e qualquer ambição para que possamos nos quedar diante da perfeição deste momento presente.

Ouçamos o que diz novamente Chogyam Trungpa:

“A diferença entre o materialismo espiritual e transcender o materialismo espiritual é que, no materialismo espiritual, promessas são usadas como uma cenoura na frente do burro, nos atraindo para todo tipo de jornada.Transcendendo o materialismo espiritual, não há nenhum objetivo. O objetivo existe em cada momento de nossa situação na vida, em cada momento de nossa jornada espiritual. Dessa maneira, a jornada se torna tão excitante e bonita como se já fôssemos Buda.Há novas descobertas constantes, mensagens constantes, avisos constantes. Há também cortes constantes, lições dolorosas constantes, assim como lições prazerosas. A jornada de transcender o materialismo espiritual é uma jornada completa, em vez de uma que depende de um objetivo externo”.

(Chogyam Trungpa - “Crazy Wisdom”)

Paradoxalmente, ao compreender esta visão, veremos que a desistência ou renúncia a um objetivo nos coloca na frente de um objetivo. E será preciso ainda um esforço para nos soltarmos de todo e qualquer esforço para alcançar este estado sem objetivo. Esta é a grande ironia da jornada: Parece que temos que ser vencidos pelo cansaço do ego onde o sucesso só se realiza através do seu próprio fracasso.

O psicólogo Hubert Benoit descreve muito bem esta situação ao falar da conquista da humildade:

“Todo o esforço visando conquistar a humildade só poderá levar a uma falsa humildade na qual eu ainda estarei me exaltando egotisticamente através do ídolo que criei para mim. É absolutamente impossível que eu me rebaixe a mim mesmo, isto é, que eu mesmo diminua a intensidade de minha reivindicação de ‘ser’.”

“A conquista da humildade, impossível diretamente, supõe, portanto, o uso da humilhação”.(Hubert Benoit - A Doutrina Suprema - Pensamento)

Haveria lugar melhor para tal realização do que este mundo rodeado de possibilidades de humilhação?

Benoit termina este pensamento com a seguinte lembrança do que precisamos entender para não desperdiçarmos esta grande oportunidade espiritual de viver no mundo:

“Lembremo-nos de que, para nós, a “natureza das coisas” é o melhor, o mais afetuoso e o mais humilhante dos mestres; ela nos envolve com sua vigilante ajuda. A única tarefa que nos cabe é compreender a realidade e deixar que ela nos transforme”.

Alexandre Saioro é professor do Programa de Redução do Estresse - A Arte do Estresse - e instrutor Budista em Nova Friburgo - alexsaioro@hotmail.com

Por: ForumSec21