27/01/2012
As cidades, abrigando 85% da população brasileira e mais de 50% da global, são os locais mais apropriados para discutir e construir um novo paradigma para a sociedade alcançar o verdadeiro desenvolvimento sustentável e superar as crises atuais.
O Fórum Social Temático (FST), realizado na cidade de Porto Alegre, recebeu o seminário Cidades Sustentáveis e congregou um grupo seleto de palestrantes que se entregou à discussão do que é de fato a sustentabilidade.
Tanto a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, quanto Jorge Abrahão, presidente do Instituto Ethos, ressaltaram que nos encontramos em meio a diversas crises: social, financeira, ambiental, mas principalmente ética.
E neste momento, ressalta Abrahão, é que podemos buscar os caminhos para construir juntos as diretrizes de um novo paradigma para a sociedade. “É uma grande oportunidade, é o que a Rio +20 deve nos oferecer”.
Para ele, uma das razões da crise atual é o nosso imaginário: individualista e de curto prazo. A falta de visão de longo prazo se tornou generalizada, entre o Estado, empresas e cidadãos e para agravar ainda mais, o setor corporativo passou a ser maior que muitos Estados, trazendo o interesse privado para o foco da gestão pública, comentou Abrahão.
Neste sentido, Marina sugere que o ideal do desenvolvimento sustentável precisa ter suas bases em uma nova forma de Ser. Há que se resolver todas essas crises que vivemos sem perder o foco que tudo surge de uma única crise, o “impasse civilizatório”, completa a ambientalista.
Ela defende que a solução está no desapego de conceitos arraigados, ou em uma descontinuidade produtiva, primeiramente reduzindo o consumo, logo após isso inserindo novas fontes na matriz energética.
“A realidade responde na língua que é perguntada, nós é que somos monoglotas”, diz Marina se referindo a nossa necessidade de pensar outras formas de se viver que não seja a perpetuação do modelo depredatório atual.
A participação da sociedade é um requisito elementar para a construção de um novo modelo, um exemplo é o Movimento Nossa São Paulo, que a partir do compromisso do atual prefeito Kassab com o programa Cidades Sustentáveis criou uma série de mais de 200 metas e indicadores, segundo Abrahão.
Com o sentimento da população que as metas não estavam sendo atendidas, a mídia iniciou um trabalho de pressão sobre o prefeito que resultou em uma queda na sua aprovação popular.
Afinal o que é sustentabilidade?
O novo modelo para a nossa sociedade até poderia ser o que vem sendo chamado de capitalismo verde, porém aprofundando um pouco mais as raízes deste conceito surgem questionamentos se isto realmente é possível.
Em seu novo livroSustentabilidade – O que é e o que não é, o Teólogo Leonardo Boff busca desvendar este termo às vezes tão mal empregado.
A sustentabilidade é “facilmente usada como adjetivo e não como substantivo”, confronta Boff explicando que as empresas focam na competitividade e atualização, mas não enxergam as injustiças sociais, degradação ambiental e o modo de ser que ajudam a perpetuar.
Em sua análise, Boff não encontrou sequer uma definição da ONU que inclua algo além do homem em seu cerne.
“A crise do modelo vigente, que põe o homem fora e acima da natureza levou a um impasse, a idéia era ter um desenvolvimento infinito e hoje nos damos conta que já encostamos nos limites ... a saída é buscar um novo paradigma, que já tem um século de discussão nas ciências da vida, física quântica e tantas outras”.
Como exemplo de modelo a se seguir ele indica a Carta da Terra http://www.cartadaterrabrasil.org/, resultado de uma década de diálogo intercultural, em torno de objetivos comuns e valores compartilhados.
A missão da Iniciativa da Carta da Terra é promover a transição para formas sustentáveis de vida e de uma sociedade global fundamentada em um modelo de ética compartilhada, que inclui o respeito e o cuidado pela comunidade da vida, a integridade ecológica, a democracia e uma cultura de paz.
À luz desta legitimidade, um crescente número de juristas internacionais reconhece que a Carta da Terra está adquirindo um status de lei branca (“soft law”). Leis brancas, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos são consideradas como moralmente, mas não juridicamente obrigatórias para os Governos de Estado, que aceitam subscrevê-las e adotá-las, e muitas vezes servem de base para o desenvolvimento de uma lei stritu senso (hard law).
"(Um novo começo) requer uma mudança na mente e no coração. Requer um novo sentido de interdependência global e de responsabilidade universal", conclama a Carta da Terra.
Novo modelo
Em vários debates do FST, os capitalismo verde foi alvo de duras criticas.
Veterano do movimento socioambientalista brasileiro, presente na Rio-92 há 20 anos, Jean-Pierre Leroy revela uma preocupação: “O discurso da economia verde chega com uma força muito grande, como se fosse a única alternativa para o futuro. O problema é que aqueles que esmagaram os povos e estragaram os territórios são os mesmos que se apresentam como a solução do problema ambiental. Mas, a gente pergunta o que eles fizeram desde a Rio-92, e a resposta é nada. Não resolveram nada nesses 20 anos e vão resolver agora para o futuro? Esse discurso foi adotado pelos economistas e pela tecnocracia, e não há um debate social sobre isso. Ou se propõe outro modelo econômico ou essa economia, mesmo esverdeada, não tem futuro”, diz.
Rio+20
Tudo indica que os debates devem esquentar ainda mais durante a realização da Rio +20, quando também será realizada a Cúpula dos Povos, evento paralelo organizado pela sociedade civil que até agora já tem confirmada a presença de cerca de 10 mil pessoas.
Mal o ano começou e as críticas a conferência da ONU já são muitas. Tasso Azevedo, ex-diretor de Florestas do Ministério do Meio Ambiente, disse que o documento divulgado pelas Nações Unidas, que esboça a resolução a ser votada na conferência, é “certinho”.
“Existindo ou não, não faz diferença hoje”, comentou enfatizando que o texto apresenta extrema dificuldade em lidar com a realidade que há limites para o nosso crescimento. Outro defeito, segundo ele, é a conexão entre pobreza e desenvolvimento sustentável, sendo que o texto coloca a primeira como condicionante do último. O documento também não lida com o tema das desigualdades sociais, critica.
“Tenho minhas dúvidas que os chefes de estado do G8 darão importância à Rio +20”, enfatizou Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, conclamando a sociedade a pressionar os líderes a comparecer.
Ele diz que a conferência deve ser um grande evento de mobilização social, mas que lembra que este ano outro evento importante merece atenção da população: as eleições municipais.
“Temos que detonar crescente o preconceito que devemos torcer o nariz para a política. Quem tem nojo de política é governado por quem não tem”, ressalta sugerindo que cada um de nós faça uma pauta de compromisso para ser cobrada dos candidatos eleitos.
“Se a gente não participa as coisas não acontecem”, convocou o economista Ladislau Dowbor.
ONU pede mudança no modelo econômico mundial
Relatório do Painel de Alto Nível sobre Sustentabilidade Global afirma que a crescente desigualdade social e as crises financeira e ambiental são um sinal de que é preciso transformar a maneira como funciona a economia.
"Povos resilientes, Planeta resiliente: Um futuro que valha a pena escolher" é o nome do resultado final do trabalho do grupo de 22 autoridades, lideradas pelos presidentes da África do Sul e da Finlândia e com a participação de Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente, que pede a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades, um consumo mais sustentável, o combate às mudanças climáticas e um maior cuidado com as causas ambientais.
Para alcançar esses objetivos ambiciosos, o painel apresentou 56 recomendações sobre como colocar em prática o conceito de desenvolvimento sustentável, integrando-o nas políticas econômicas e na realidade das empresas o mais rápido possível.
“Tendo em conta a possibilidade de o mundo se afundar ainda mais em uma depressão, os políticos estão necessitados de ideias que os possam ajudar a navegar nestes tempos difíceis,” disse Jacob Zuma, presidente da África do Sul. “O nosso relatório deixa claro que o desenvolvimento sustentável é mais importante do que nunca, em virtude das múltiplas crises em que o mundo está envolvido.”
Entre as recomendações do relatório estão:
- A mensuração dos custos das ações para mitigar as mudanças climáticas e de preservação ambiental, assim como dos prejuízos decorrentes da falta de iniciativa para lidar com essas questões. Essas informações devem ser claras e de conhecimento público;
- Os rótulos dos produtos devem conter dados sobre o seu impacto ambiental, permitindo que os consumidores tomem decisões mais conscientes;
- Com o apoio da ONU, os governos devem adotar indicadores de desempenho econômico que vão além do simples PIB e que meçam a sustentabilidade das economias dos países;
- Subsídios que prejudicam a integridade ambiental devem acabar até 2020. A ONU estima que os governos gastem mais de US$ 400 bilhões ao ano em ajuda para a indústria dos combustíveis fósseis.
- Novos objetivos devem ser estabelecidos para garantir o acesso universal à energia sustentável até 2030;
- Os governos devem considerar a criação de um fundo global para a educação, para já em 2015 conseguir o acesso universal à educação primária.
Ao receber o relatório do painel, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, declarou que o desenvolvimento sustentável é uma prioridade máxima para o seu segundo mandato. “Precisamos determinar uma rota mais sustentável para o futuro, uma rota que reforce a igualdade e o crescimento econômico ao mesmo tempo proteja o planeta.”
Rio+20
Os objetivos sugeridos pelo Painel de Alto Nível sobre Sustentabilidade Global não se diferem muito do que a presidente Dilma Rousseff chama de metas de desenvolvimento sustentável.No Fórum Social Temático, em Porto Alegre na semana passada, Dilma defendeu a criação delas como uma das missões da Rio+20, em junho.
“A Rio+20 deve ser um momento importante de um processo de renovação de ideias, diferentemente das COP. Queremos que a palavra desenvolvimento apareça, de agora em diante, sempre associada à [palavra] sustentável. A tarefa que nos impõe esse fórum e a Rio+20 é desencadear o desenvolvimento, a renovação de ideias e de novos progressos absolutamente necessários para enfrentar os dias difíceis que hoje vive ampla parte da humanidade”, afirmou a presidente.
A primeira reunião preparatória para a Rio+20 terminou na última sexta-feira (27) em Nova York e permitiu que representantes de países e da sociedade civil fizessem comentários sobre o documento base das negociações da conferência, batizado como "rascunho zero" (Zero Draft).
O documento foi elaborado com base em mais de 6.000 páginas de sugestões recebidas nas consultas prévias e submetido ao processo de negociação consensual da ONU, e pode ser considerado a pauta de trabalho da Rio+20.
Assim como o "Povos resilientes, Planeta resiliente: Um futuro que valha a pena escolher", o "rascunho zero" deixa claro que a iniciativa privada precisa mudar seus conceitos para poder contribuir para o desenvolvimento sustentável.
"O setor privado é responsável pela imensa maioria dos produtos e serviços utilizados todos os dias e apenas com o engajamento das empresas será possível alcançar qualquer meta de sustentabilidade que venha a ser criada", escreveu Kris Gopalakrishnan, presidente da Ação Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (BASD, em inglês), em um artigo para o jornal The Guardian.
Segundo Gopalakrishnan, a transição para a economia verde deve ser uma responsabilidade dividida entre toda a sociedade.
"Empresas podem possuir um papel na construção do conhecimento e das técnicas necessárias para essa mudança na forma de fazer negócios. Porém, os governos devem estabelecer condições legais e políticas para possibilitar que as companhias atuem", concluiu.
Fernanda B. Mûllere
Por: Carbono Brasil / Agencias Internacionais